Centro Dom Bosco

Centro Dom Bosco Responde à Arquidiocese do Rio

“Sem desejo de causar escândalo nem de nos exaltar, mas fiados unicamente no caráter sacramental do batismo e da crisma, que nos obrigam a professar a fé e publicamente defendê-la, manteremos respeitosamente a nossa linha de conduta”.

Esta foi a resposta categórica do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura à orientação da Arquidiocese do Rio de Janeiro, que recomendou aos fiéis católicos que se abstivessem de participar das atividades promovidas pela associação tradicionalista.

O Contexto da Polêmica

A controvérsia iniciou-se quando a Arquidiocese do Rio de Janeiro, através do Monsenhor André Sampaio de Oliveira, delegado episcopal para a atenção pastoral dos grupos de fiéis que celebram o rito romano segundo o missal anterior à reforma de 1970, emitiu uma nota orientando os católicos a não participarem de atividades do Centro Dom Bosco.

O motivo: a associação se “autodeclarou sob a direção da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX) e de ministros que a ela pertencem ou a suas comunidades amigas”, situação que gerou preocupação nas autoridades eclesiásticas locais devido à situação canônica irregular da FSSPX.

A Resposta Integral do Centro Dom Bosco

Classificação como “Censura Precipitada”

Em vídeo publicado no dia 17 de junho, o presidente da associação, Álvaro Mendes, classificou a orientação da arquidiocese como “censura precipitada” que “não se baseia em fundamentos robustos”.

Esclarecimentos sobre o Livro Controverso

Um dos pontos centrais da defesa foi o esclarecimento sobre o livro “Os Erros do Catecismo Moderno”, de Michael Haynes, publicado pelo Centro Dom Bosco. Mendes explicou que, embora a obra tenha prefácio do Arcebispo Carlo Maria Viganò (excomungado pela Santa Sé em 2024), este prefácio não foi traduzido para a versão portuguesa.

“Exatamente por sua adesão ao sedevacantismo, posição repudiada tanto pela Fraternidade Sacerdotal São Pio X, quanto pelo Centro Dom Bosco, de modo público e reiterado, não se afigura correto buscar associar-nos às posições do referido prelado”, argumentou Mendes, destacando que a obra original foi publicada em 2021, antes das declarações controversas de Viganò.

A Crítica ao “Duplo Padrão”

O presidente do Centro Dom Bosco expressou “profunda perplexidade” com o que considera um tratamento desigual da Arquidiocese:

“A arquidiocese do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que se posiciona publicamente contra fiéis ligados à tradição da Igreja, frequentemente permite em seus espaços litúrgicos e pastorais celebrações sincréticas de caráter afro, cultos e ritos de outras religiões, encontros com líderes de confissões orientais cismáticas, iniciativas de diálogo inter-religioso com representantes das mais variadas crenças, incluindo até ateus e maçons”.

A associação lamentou que se promova “ampla acolhida a tantas expressões alheias à fé católica, enquanto se rechaça de modo rígido e hostil aquilo que é simplesmente a vivência da fé de sempre, a liturgia tradicional e a doutrina imutável dos santos e doutores”.

A Defesa Doutrinária: Questionando a Autoridade do Novo Catecismo

O Argumento da Não-Obrigatoriedade

Uma das defesas mais elaboradas foi sobre a autoridade do Catecismo atual. Mendes argumentou que a nota da arquidiocese “parece partir da premissa equivocada de que qualquer crítica ao Novo Catecismo seria indevida”.

Segundo o Centro Dom Bosco, o próprio Papa João Paulo II, na constituição apostólica Fidei depositum, “jamais pretendeu obrigar os católicos a adotarem o referido catecismo, mas antes se limitou a propô-lo como instrumento válido e legítimo a serviço da comunhão eclesial, chegando mesmo a usar o verbo pedir”.

A Questão da Pena de Morte: Prova de Falibilidade

O presidente do CDB utilizou a modificação do parágrafo 2.267 do Catecismo sobre a pena de morte, realizada pelo Papa Francisco em 2018, como argumento central de sua defesa.

Versão Original (até 2018): “O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto”.

Nova Versão (2018): “A pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa”.

Para Mendes, essa mudança cria um dilema doutrinário: se Francisco estava correto, “é forçoso concluir que o catecismo de 1992 considerou compatível com a doutrina tradicional da Igreja uma medida desumana e inadmissível à luz do Evangelho”, portanto “estava errado”. Mas se a redação original estava correta, “então é a mudança introduzida pelo último papa que pode despertar críticas pelo seu evolucionismo doutrinal”.

Magistério “Discutível e Experimental”

A conclusão do Centro Dom Bosco foi categórica: uma mudança “tão profunda” no Catecismo “só confirma que não estamos diante de um magistério seguro infalível, mas antes discutível e experimental, ao menos no que diz respeito às novidades doutrinais”.

As “Novidades Doutrinais” Pós-Concílio Vaticano II

A Tríade Problemática

O Centro Dom Bosco identificou três pontos que considera fundamentalmente problemáticos nas mudanças pós-Concílio Vaticano II:

  1. Liberdade religiosa
  2. Colegialidade
  3. Ecumenismo

Segundo a associação, essas “novidades doutrinais” são “fonte de grave discordância doutrinal e têm mergulhado a Igreja numa crise de identidade que já dura 60 anos e arrasta multidões para apostasia”.

Os Dados Estatísticos como Prova

Para sustentar sua argumentação, o Centro Dom Bosco citou dados do Censo do IBGE que mostram a queda do catolicismo no Brasil: de 64,6% em 2010 para 56,75% em 2022.

“Tal como demonstram os dados do mais novo censo do IBGE”, argumentou Mendes, sugerindo que as mudanças doutrinárias são responsáveis pela perda de fiéis.

A Defesa da Fraternidade Sacerdotal São Pio X

Posição Doutrinalmente Fundamentada

O Centro Dom Bosco defendeu que a FSSPX “adota posição crítica a essas novidades, não por espírito de rebeldia, mas por sólidas razões doutrinais, fundadas no magistério de sucessivos papas e concílios ecumênicos que condenaram esses mesmos princípios como falsos e perigosos”.

Precedentes Pontifícios

Mendes lembrou que as “sérias divergências doutrinais da Fraternidade São Pio X” não impediram:

  • Papa Bento XVI (2009): Levantou a excomunhão dos bispos ordenados por Dom Marcel Lefebvre em 1988
  • Papa Francisco: Concedeu “explícito poder de jurisdição” aos padres da FSSPX “para administrar os sacramentos da confissão e do matrimônio”

Segundo o Centro Dom Bosco, essa “providência que a Santa Sé não teria tomado se os considerasse cismáticos” demonstra que a situação canônica não é tão grave quanto apresentada.

O Desafio à Autoridade Episcopal

Questionamento Direto ao Delegado Episcopal

O Centro Dom Bosco propôs diretamente ao Monsenhor André Sampaio de Oliveira que reflita “se o tom condenatório de que se valeu estará de acordo com esses recentes atos pontifícios, que derivam da suprema autoridade apostólica do sucessor de Pedro”.

Crítica ao Método Hierárquico

A associação criticou duramente o que considera incoerência hierárquica: “Ameaças canônicas podem assustar alguns fiéis, mas não varrerão as contradições para debaixo do tapete nem estancarão a sangria de católicos que se perdem ano após ano para o ateísmo, o indiferentismo e o protestantismo”.

A Filosofia Subjacente: Fidelidade acima da Regularidade

Prioridade da Fé sobre a Forma

O presidente do Centro Dom Bosco declarou que “irregularidades canônicas meramente aparentes não têm importância maior do que guardar fielmente e expor santamente o depósito da fé”.

Crítica ao “Singular Pluralismo”

A associação denunciou o que considera uma contradição na Igreja atual: “Só exacerbará as contradições de uma hierarquia eclesiástica que promove um singular pluralismo, ao abraçar a diversidade e abrir o diálogo com todos, salvo aqueles súditos que, não podendo em consciência dar as costas ao magistério certo e infalível, querem manter-se fiéis à tradição bimilenar da mesma Igreja”.

A Declaração Final: Unidade na Verdade

Condições para a Verdadeira Unidade

O Centro Dom Bosco encerrou sua resposta com uma declaração que resume sua filosofia:

“Aspiramos à unidade e comunhão entre todos os membros da Santa Igreja Católica, Apostólica e Romana, mas não nos iludimos que seja possível alcançá-la ou sustentá-la sobre outro fundamento que não seja a firmeza da fé, a luminosa clareza da doutrina, a inabalável santidade do ensino moral”.

O Fundamento Teológico

A conclusão é teologicamente fundamentada: “Fora da Verdade não haverá verdadeira união nem verdadeiro amor, pois sem a fé é impossível agradar a Deus”.

Análise das Implicações

Um Confronto Doutrinário Profundo

A resposta do Centro Dom Bosco vai muito além de uma simples defesa institucional. Trata-se de um confronto doutrinário que questiona:

  • A autoridade do magistério pós-conciliar
  • A validade das mudanças doutrinárias recentes
  • A coerência da hierarquia eclesiástica atual
  • Os critérios para a verdadeira unidade católica

Estratégia de Legitimação

A associação utiliza uma estratégia sofisticada de legitimação:

  1. Apelo aos sacramentos: Fundamenta sua autoridade no batismo e crisma
  2. Uso de precedentes pontifícios: Cita ações de Bento XVI e Francisco
  3. Argumentação doutrinal: Utiliza textos magisteriais para sustentar suas posições
  4. Dados empíricos: Recorre a estatísticas para validar suas críticas

Posicionamento Canônico Calculado

O Centro Dom Bosco demonstra conhecimento canônico ao:

  • Distinguir entre diferentes tipos de magistério
  • Reconhecer a autoridade pontifícia enquanto questiona suas aplicações
  • Manter-se formalmente dentro da Igreja enquanto critica suas direções

Repercussões e Perspectivas

Impacto no Catolicismo Tradicionalista

Esta resposta posiciona o Centro Dom Bosco como uma voz articulada do tradicionalismo católico brasileiro, capaz de apresentar argumentos teológicos e canônicos sofisticados em defesa de suas posições.

Desafio à Autoridade Diocesana

A contundência da resposta representa um desafio significativo à autoridade diocesana, estabelecendo um precedente para como grupos tradicionalistas podem responder a orientações hierárquicas restritivas.

Futuro das Relações

A declaração final de que “manteremos nossa linha de conduta” sugere que o Centro Dom Bosco está preparado para enfrentar as consequências de sua posição, mesmo que isso signifique um conflito prolongado com a hierarquia local.

Considerações Finais

A resposta do Centro Dom Bosco à Arquidiocese do Rio de Janeiro representa mais do que um simples conflito institucional. Trata-se de uma articulação sofisticada das tensões doutrinárias, litúrgicas e eclesiológicas que atravessam o catolicismo contemporâneo.

Ao fundamentar sua posição em argumentos sacramentais, doutrinais e estatísticos, a associação apresenta uma visão alternativa de fidelidade católica que prioriza a ortodoxia doutrinária sobre a regularidade canônica, a tradição sobre a inovação, e a verdade sobre a unidade meramente formal.

Esta posição, embora controversa, articula preocupações genuínas de muitos católicos que se sentem desconfortáveis com as mudanças pós-conciliares e encontram no tradicionalismo uma forma de manter sua identidade católica em um mundo em rápida transformação.

O desenrolar desta situação será observado atentamente não apenas no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil e além, pois pode estabelecer precedentes importantes para como a Igreja Católica lida com a diversidade interna e os desafios à autoridade hierárquica no século XXI.


Este artigo foi baseado integralmente na resposta oficial do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura à nota da Arquidiocese do Rio de Janeiro, refletindo fielmente os argumentos e posicionamentos apresentados pela associação tradicionalista.


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